A abertura do ano judiciário no Supremo Tribunal Federal dá início a um período em que a corte terá de enfrentar diversas questões espinhosas, de aborto e drogas à validade do auxílio-moradia a integrantes do Poder Judiciário e do Ministério Público.
Nova análise sobre ICMS no PIS e na Confins, competência para fechar delação premiada e possibilidade de candidaturas avulsas em ano eleitoral também devem ser apreciados. Só contra a reforma trabalhista, o STF já recebeu 16 ações diretas de inconstitucionalidade.
Dentre as matérias constitucionais criminais, uma das mais importantes envolve nova rodada de análise sobre a execução antecipada da penacriminal após a decisão colegiada de segunda instância.
Estão pendentes o julgamento de mérito de duas ações declaratórias de constitucionalidade propostas pelo Partido Ecológico Nacional — atual Patriota — e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (ADCs 43 e 44, respectivamente), que discutem qual o momento mais adequado para prender um réu.
O relator, ministro Marco Aurélio, já liberou o voto para o Plenário. A presidente do tribunal, ministra Cármen Lúcia, no entanto, já manifestou resistência em pautar o tema. Em setembro, assume a presidência o ministro Dias Toffoli, para quem a execução de pena só deve ocorrer depois de julgamento no Superior Tribunal de Justiça.
O tribunal está hoje dividido quanto ao assunto. Há dois anos, a corte rejeitou os pedidos de liminar das ADCs. No entanto, a composição foi alterada com a morte do ministro Teori Zavascki e a chegada de Alexandre de Moraes. Houve ainda mudança na posição do ministro Gilmar Mendes.
Delações e conduções coercitivas Neste ano, o STF também deve voltar a discutir a competência para fechar acordos de colaboração premiada. A Procuradoria-Geral da República questiona regra permitindo que delegados de polícia firmem termos, sem passar pelo Ministério Público.
O julgamento foi suspenso porque o relator do caso, ministro Marco Aurélio, preferiu aguardar a volta dos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, ausentes na época da sessão. Embora tenham sido proferidos seis votos a favor de manter esse poder à polícia, cinco deles entenderam que a polícia deve ter restrições para fechar os acordos. Marco Aurélio justificou que o quórum da sessão poderia levar a um placar de quatro votos a cinco, enquanto ADIs exigem pelo menos seis votos em uma direção.
Outra questão relevante a ser apreciada pelo plenário do STF trata das conduções coercitivas. O relator da ADPF 444, ministro Gilmar Mendes, deferiu a medida liminar pedida pela OAB, proibindo o uso do instrumento além dos casos de recusa injustificada. Outra ação, a ADPF 395, tem objeto semelhante e já foi liberada para julgamento.
Indulto e foro especial Vem da cena política mais uma polêmica, a do indulto natalino. A ministra Cármen Lúcia suspendeu nos últimos dias do ano parte do decreto assinado pelo presidente Michel Temer em 22 de dezembro, por considerar alguns benefícios inconstitucionais.
A decisão atendeu a pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que questionou a legalidade do decreto presidencial que deixou mais brandas as regras para o perdão da pena de condenados por crimes cometidos sem violência ou ameaça, como corrupção e lavagem de dinheiro. O Ministério da Justiça se manifestou no sentido de que vai obedecer a decisão da ministra, mas aguarda que o Supremo “possa decidir o mais breve possível sobre o tema”.
Continua pendente de julgamento a polêmica discussão acerca do foro por prerrogativa de função. Até o momento, foram oito votos para limitar a extensão desse direito — seis acompanhando o entendimento do relator, ministro Luís Roberto Barroso, no sentido de que o foro se aplica apenas a crimes cometidos no exercício do cargo e em razão das funções a ele relacionadas. Pediu vista o ministro Dias Toffoli.
Leis questionadas Normas sancionadas pelo Executivo e que passaram pelo Legislativo também desaguam no STF. Há 16 ações discutindo a constitucionalidade de vários dispositivos da reforma trabalhista, em vigor desde novembro de 2017.
A possibilidade de contratar trabalhadores terceirizados para realização de atividades-fim, ou seja, aquelas ligadas ao objetivo essencial da empresa, também deve merecer atenção dos ministros do Supremo, diante de cinco ações que questionam a constitucionalidade da Lei 13.429, publicada no dia 31 de março de 2017. O relator é o ministro Gilmar Mendes.
Também há ações no STF discutindo a constitucionalidade da intitulada PEC dos Gastos Públicos, que congelaram gastos da União, mesmo em setores básicos da atividade estatal, como saúde e educação.
Planos econômicos Assunto de solução aguardada há duas décadas também deve ter desfecho no STF neste ano. Está nas mãos de ministros do Supremo acordo firmado entre representantes de bancos e poupadores para encerrar processos que envolvem os índices de correção monetária dos planos econômicos das décadas de 1980 e 1990. O ministro Dias Toffoli homologou o processo sob sua relatoria em dezembro. Além dele, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski são relatores de processos sobre o caso. Gilmar preferiu enviar o pedido de homologação do acordo para a PGR, para manifestação. Lewandowski não deu previsão.De acordo com a Advocacia-Geral da União, os bancos pagarão R$ 12 bilhões aos poupadores em no máximo três anos. O litígio é um dos maiores do país e representa quase 70% dos 941,4 mil processos sobrestados em todo o país enquanto esperam análise de recursos na corte. Segundo a Advocacia-Geral da União, esse é o maior acordo judicial do país e encerrará cerca de um milhão de processos judiciais.
Tributo Na questão tributária, a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins é um exemplo do que precisa, mais uma vez, passar pelo Plenário do Supremo. Foi publicado no dia 2 de outubro de 2017 o acórdão do RE 574.706, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, no qual o Supremo fixou a tese de que o ICMS, por não compor faturamento das empresas, deve ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional apresentou em outubro embargos de declaração contra a decisão. O assunto frequenta a pauta do Plenário desde 1999.
Auxílio-moradia Como o ministro Luiz Fux liberou em dezembro passado para votação a discussão sobre o pagamento de auxílio-moradia para magistrados, cabe à corte deliberar sobre o assunto, o que deve ocorrer em março. Fux concedeu liminares estendendo o valor a todos os juízes do país em 2014. Mais de 17 mil juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores recebem o benefício no país.Cenário político O pleito eleitoral que se avizinha talvez seja o mais imprevisível desde as eleições de 1989. Sobre a questão eleitoral, a pauta do STF não é menos controversa. A primeira delas é a polêmica relativa às chamadas candidaturas avulsas.
A filiação partidária é condição para a disputa de cargo eletivo. Em outubro passado, no entanto, o Plenário reconheceu repercussão geral sobre recurso para candidatura sem vínculo com partido, sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso.
No último dia de atividades da Suprema Corte, Gilmar Mendes devolveu processo que julga a possibilidade de réus ocuparem a linha sucessória da Presidência da República. O julgamento também pode interferir em questões políticas. Agora a ação está pronta para julgamento, dependendo da presidente do Supremo colocar para a votação.
A condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mantida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, também pode movimentar o STF em ano eleitoral. A defesa de Lula já se manifestou que fará uso de todos os recursos disponíveis e o destino de eventual candidatura do ex-presidente poderá ser definido no Supremo.
Aborto e drogas Outro assunto polêmico que pode entrar na pauta é ação proposta pelo Psol e pelo Instituto Anis. Ambos defendem que o aborto deixe de ser considerado crime até a 12ª semana de gestação, em qualquer situação. O argumento para a ação de descumprimento de preceito fundamental é de que a proibição da prática viola preceitos da dignidade da pessoa humana, da cidadania, da não discriminação, da inviolabilidade da vida, da liberdade, da igualdade, da proibição de tortura ou tratamento desumano ou degradante e da saúde. Hoje, no Brasil, o aborto é permitido somente nos casos de anencefalia do feto — em decisão do próprio Supremo, em2012 —, de estupro e quando a gestação representa um risco para a vida da mulher.A relatora, ministra Rosa Weber, já se manifestou a favor da autorização do aborto até o terceiro mês de gestação em um julgamento da 1ª Turma do STF noano passado, bem como os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.
O aborto é tema ainda de uma ADI relatada pela presidente do STF, na qual a Associação Nacional de Defensores Públicos e a Anis pedem que o aborto seja considerado legal nos casos de microcefalia do feto, provocada pela infecção pelo vírus zika.
Outra temática que suscita debates acalorados é o da descriminalização das drogas. A constitucionalidade da lei sobre porte e plantio de drogas tema chegou ao Supremo em 2015 e pode ser retomado neste ano. O ministro Teori Zavascki pediu vista do caso.
Com a morte do magistrado, o pedido de vista foi herdado pelo ministro Alexandre de Moraes, que precisa liberar o processo. Antes, o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, e os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso votaram pela inconstitucionalidade da regra que estabelece como crime o porte de drogas para uso pessoal.
Primeiras votações Já na segunda semana de trabalho, o colegiado decidirá se os planos de saúde devem ressarcir o SUS pelos custos com atendimento de pacientes que contratam planos privados. O processo tem repercussão geral reconhecida desde 2010 e tem como relator Gilmar Mendes. Nas questões de saúde pública, os ministros também têm pendente o julgamento sobre a obrigatoriedade do Estado em fornecer remédios de alto custo não registrados pela Anvisa, agência que regula o setor. O relator, ministro Marco Aurélio, e os ministros Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso já votaram, mas cada um propôs uma tese diferente. O Ministério da Saúde estima em R$ 7 bilhões os gastos com a judicialização da saúde.No dia 8, estão na pauta duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs 4717 e 4269) que questionam medida provisória e decretos que reduzem limites de parques nacionais na Amazônia; pedido de indenização pela demarcação da terra reserva indígena Parabubure, em Mato Grosso (terras de posse tradicional dos índios Xavante) e o direito de que comunidades quilombolas definam áreas que reivindicam.
O novo Código Florestal, objeto de discussões intensas desde que sancionado, em 2012, deve ser analisado pela corte após o Carnaval. Cinco ações contestam diversos dispositivos da lei que disciplinou a preservação ambiental em propriedades rurais — o ponto mais polêmico. O julgamento começou em novembro de 2017, com o voto do relator, Luiz Fux, e será retomado com o voto-vista da ministra Cármen Lúcia.
Fevereiro também é o mês para apreciação de ação ajuizada pela PGR pelo reconhecimento do direito de transexuais alterarem nome e sexo no registro civil, mesmo que sem cirurgia para mudança de sexo. Há ainda um recurso extraordinário sobre o tema. Os ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli são responsáveis pelas relatorias.
Fonte: Conjur