Não é de hoje e nem de agora que advogadas e advogados são convocados ou intimados para prestar depoimento sobre casos em que atuaram como profissionais. Em nome de uma lógica perversa e eficientista na qual “os fins justificam os meios”, se atropelam direitos e garantias fundamentais a serviço da repressão, do autoritarismo e de um suposto combate ao crime.
Segundo a Constituição da República “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” (artigo 133 da Constituição). Constitui direitos dos advogados “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia;” (Estatuto da OAB, redação dada pela Lei 11.767, de 2008). Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi proclamado que a qualquer homem acusado de um ato delituoso são “assegurados todas as garantias necessárias à sua defesa” (artigo XI).
O devido processo legal está baseado em três princípios, quais sejam: o acesso à justiça, o contraditório e a plenitude de defesa. Verdadeiros pilares do Estado democrático de direito.
Portanto, quando é desrespeitada a inviolabilidade das comunicações entre advogados e clientes à ampla defesa é extinta.
Como asseveram Luiz Antonio Sampaio Gouveia e Maria Edith Salgrettim
A essência da relação entre advogado e cliente, pauta-se na mais absoluta confiança e permanente sigilo que embasam esse liame de entendimento imprescindível à amplitude de defesa, durante e após o término do mandato, pois, é dessa relação de mútua circunstanciação dos fatos e estratégias de atuação, que flui e deflui a plenitude e a efetividade da defesa, tão cristalina e necessária ao exercício do mandato advocatício em prol do cliente mandante e, consequentemente, do bem comum.
Aí é que se diz que o sigilo das conversas e dados telefônicos e telemáticos estabelecidos entre advogado e cliente deve se revestir de blindagem absoluta, sendo totalmente inconveniente interceptações de diálogos e conversas dessa natureza, tanto porque o advogado interceptado tem o sigilo como prerrogativa, quanto porque o cliente, tem a sua privacidade, como corolário do legítimo, amplo e pleno direito de defesa.[1]
Note-se, também, que o segredo profissional deriva da proteção constitucional da intimidade da pessoa. Segundo José Afonso da Silva, “o titular de segredo é protegido, no caso, pelo direito à intimidade, pois o profissional, médico, advogado e também o padre-confessor (por outros fundamentos), não pode liberar o segredo, devassando a esfera íntima, de que teve conhecimento, sob pena de violar aquele direito e incidir em sanções civis e penais”.[2]
A sociedade precisa compreender que a defesa não pertence somente ao acusado, mas a todos, é de interesse público. Neste sentido Rubens Casara e Antônio Melchior para quem “O defensor atua com o objetivo de proteger o estado de liberdade do imputado. Sua missão democrática, portanto, possui uma dimensão pública, vinculado à defesa de um bem que é protegido em nome de um interesse também público: a liberdade. Aqui reside a força da atuação defensiva”.[3]
Neste diapasão, quando advogadas e advogados são convocados a comparecer a CPIs ou perante qualquer autoridade da República, com o nítido propósito de constrangê-los em atitude de duvidosa legalidade, visando atingir o inquebrantável sigilo profissional resultante da sagrada relação de confiança entre advogado e cliente, bem como o sigilo que decorre de interceptações telefônicas, é porque o Estado de exceção já se sobrepôs ao Estado de direito.
Marcus Vinicius Furtado Coêlho e Cezar Britto, ex-presidentes do Conselho Federal da OAB salientam que “a inviolabilidade é a garantia legal, devendo ser interpretada ampliativamente. Exceção será a sua violação, ensejando interpretação restritiva. Se há garantia ao direito de defesa, impossível pensar que o local e os instrumentos de trabalho do advogado possam sofrer violação, comprometendo a liberdade do exercício da advocacia”.
Sendo assim, é preciso que a sociedade reaja veementemente contra qualquer tentativa de desmoralização de advogadas e advogados e da criminalização da própria advocacia. Ataques infundados e injustificados ao exercício da advocacia são próprios dos regimes autoritários e de exceção e ferem frontalmente o Estado Democrático de Direito.
Como bem salientou Rui Barbosa em discurso que ficou conhecido como Oração aos Moços: “Legalidade e liberdade são as tábuas da vocação do advogado. Nelas se encerra, para ele, a síntese de todos os mandamentos”.
[1] Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-ago-08/opiniao-sigilo-comunicacao-entre-advogado-cliente-absoluto>
[2] Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002,
[3] CASARA, Rubens R. R. e MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.
Fonte: Conjur
Defesa não pertence somente ao acusado, é de interesse público
Publicado há 7 anos - Por OAB Campina Grande